Pais e Filhos
Talvez o problema
mais grave dos pais seja, exatamente, fazer aquilo que acham melhor para seus
filhos. Se ao menos eles fizesse apenas o que é bom para os filhos, talvez o
prejuízo não fosse tão grave quanto buscarem sempre fazer o melhor para os
filhos.
O problema é que
melhor na opinião dos pais, não significa necessariamente mais correto,
adequado e sensato. A dúvida que surge nessa postura, é sobre o conceito do
que seria, exatamente, esse melhor, melhor em que sentido; melhor para o bem
estar do pai, do filho, da família, melhor emocionalmente, financeiramente,
culturalmente, melhor para a saúde... e assim por diante.
Muitas vezes é
melhor que a filha fique em casa à noite, porque é melhor ao sono, bem-estar
e tranqüilidade dos pais. Pelas mesmas razões, é melhor que os filhos não
bebam, não dirijam, não namorem quem eles querem, etc, etc.
O velho chavão
“faço o que é melhor para vocês”, que brota das palavras de todo pai ou mãe
que se preza, deveria ser corretamente interpretado como sendo; “faço para
vocês o que é melhor para mim”.
O simples fato de
presentear os filhos pode dar a falsa idéia de que isso é bom para eles,
quando, na realidade, poderia estar satisfazendo a necessidade de bem-estar
dos pais, ao se saberem “bonzinhos”, atenciosos, carinhosos,
responsáveis.Vejamos a questão do beijo, por exemplo; muitas vezes o beijo
apraz muito mais quem está beijando (pais) do que quem está sendo beijado
(filhos), portanto, talvez quem beija com a intenção de doar afeição e
carinho esteja, de fato, se apossando de afeição e carinho para si.
Um dos exemplos
de que o melhor para os pais nem sempre se compatibiliza com o melhor para os
filhos, é a tendência constante dos pais proibir nos filhos uma série de
atitudes que eles mesmos tomavam em outras épocas, quando tinham a idade dos
filhos.
Como regra geral,
os pais tendem a aplaudir o comportamento “correto” dos filhos. De fato,
muitas vezes estão se aplaudindo por se sentirem importantes como pais de uma
criança inteligente, bem dotada, que auxiliam nas tarefas domésticas ou nos
negócios. Sentem que sua função de pais, geneticamente perfeitos, educadores
eficazes, moralmente atuantes foi satisfatória a ponto de merecer aplausos.
Pais fazem mal
aos filhos?
Não. De modo geral os pais não prejudicam os filhos mas, de modo particular, muitos o fazem. Os pais encorajam seus filhos a trilharem caminhos que, de acordo com sua visão do mundo e sua teoria de vida, supostamente lhes trariam bem estar e sucesso. "Trabalhe duro", "Seja uma boa menina", "Economize seu dinheiro", "Seja sempre pontual", “Tire sempre boas notas”, etc.
Na realidade,
pode ser que estejam (re)transmitindo chavões que se repetem por gerações,
estejam fazendo algo no sentido de não se sentirem omissos por deixar de
passar recomendações tidas, familiarmente, como indispensáveis ao sucesso
(talvez mais dos pais, que dos filhos). Mas, recomendações desse tipo não
costumam resistir ao simples questionamento do tipo “porque”; “porque devo
trabalhar duro?”, “ser sempre pontual porque?”, “tirar sempre boas notas
porque?”.
Seria realmente
impossível não trabalhar duro, mas o suficiente? Seria impossível ser uma
menina normal, nem boa e nem má? Seria impossível tirar notas médias e,
simultaneamente, ser feliz? Ficará claro que a intenção dessas recomendações
é apenas no sentido de prevenir futuros sentimentos de omissão.
As respostas aos
porquês costumam se resumir em um incisivo “- Porque é bom.”, seco e
conclusivo. Talvez recomendações desse tipo sirvam mais ao desenvolvimento de
eventuais complexos de culpa e de fracasso nos filhos, do que ao sucesso
deles, propriamente dito. Existem muitos trabalhos sobre a não necessidade de
boas notas para o sucesso pessoal, assim como trabalhos sobre o insucesso de
ex-primeiros alunos.
Acredita-se que o
melhor modo de fazer alguém se tornar um certo tipo de pessoa, é atribuir-lhe
características do tipo desejado. Dizendo à criança que ela é uma boa
criança, a tendência é que assuma, de fato, o papel de boa criança. E o
inverso parece ser verdadeiro. Isso é o que a sociedade vive fazendo em
relação aos papeis sociais. O soldado deve ser corajoso, o filho amoroso, a
sogra ciumenta, o psiquiatra compreensivo, o financista frio, o sacerdote
atencioso, e assim por diante.
A sociedade
define e caracteriza os diversos papeis sociais e, ao assumi-los, as pessoas
devem se enquadrar naquilo que esperam deles os espectadores, sob o risco de
serem excluídas do cenário social e devidamente apenadas. Essa definição de
papeis sociais costuma nascer dentro da família. Não é raro, em famílias com
três filhos, que ao mais velho seja atribuído o papel de criança prodígio,
provavelmente ao segundo, o papel de responsável e prestativo, útil à família
e ao outro, possivelmente o caçula, o papel de filho difícil.
No caso de mais
de três filhos, essas características podem ser diluídas e compartilhadas por
mais de um filho. Pior que isso, só quando os pais idealizam papeis
funcionais aos filhos: “esse vai ser jogador de futebol”, “esse vai ser
médico”. Mas a questão só é colocada dessa maneira porque ser jogador de
futebol ou médico, “é o melhor para ele”. Vejamos, então, como se
desenvolve o jogo da hipocrisia familiar no esquema abaixo:
· Pai acha que
ser médico é o melhor.
· Porque seu cardiologista está muito bem. · O papel de pai é querer o melhor para o filho (para o filho?). · Pai atribui ao filho a vocação de médico. · Pai define o filho “esse vai ser médico”. · Papel de filho é satisfazer expectativa do pai. · Filho “quer” ser médico. · Pai está de parabéns; seu filho quer ser médico. · Filho está de parabéns; é um bom filho.
Mesmo que esses pais digam que evitam opinar
(decidir) sobre a futura profissão de seus filhos, repetindo sempre que
"o importante é que ele seja feliz", ainda assim não conseguem
desvincular de suas próprias felicidades e fantasias da pretensa felicidade e
realização dos filhos. Quando o filho é homem, tende a polarizar as fantasias
do pai nele projetadas.
A ambição paterna
não se satisfaz com tudo que o filho possa ter “copiado” do jeito do pai ser,
mas aspira, inclusive, que venha a ser tudo aquilo que o pai queria ter sido
e não foi. Vejamos a ordem, do mais desejável para o menos, dos atributos
ansiados pelos pais sobre seus filhos homens, juntamente com atributos pouco
lembrados mas muito importantes para a formação da personalidade:
Sendo a filha
mulher, sobre ela recairão as fantasias e aspirações da mãe. A puberdade
feminina vem acontecendo cada vez mais precocemente (veja Puberdade Precoce), e
existem razões para crer que esse fenômeno possa ser devido à adaptação
biológica aos anseios culturais; a mãe “fantasia” a filha de mocinha muito
cedo, atribuindo a ela um papel de jovem. Isso pode favorecer uma precocidade
biológica ao papel social atribuído pela família. Essa ocorrência é mais uma
prova de que o filho (ou jovem, em geral) acaba incorporando em sua pessoa o
papel social a ele atribuído pela família e sociedade.
Ballone GJ,
Ortolani IV – Pais e Filhos - in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br, revisto em 2005
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Família - Pais e filhos
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